Para variar um pouco,
alguns fracassos de bilheteria são os meus filmes prediletos. O mesmo não poderia
ser diferente com o filme ‘O Quarto Poder’. Foi por acaso que assisti a esse
filme: o professor de Temas Contemporâneos do Jornalismo – curso jornalismo,
portanto – passou à turma como parte do processo de desenvolvimento do senso crítico
proposto pela disciplina.
O filme me envolveu do
início ao fim. A história, resumida, é mais ou menos assim: um grande repórter
norte-americano, após ter tido problemas com a emissora de televisão de rede
nacional, em Nova York, é transferido para uma afiliada no interior dos Estados
Unidos. Insatisfeito, passa a ser escalado apenas para realizar ‘matérias
frias’, ou seja, que podem ser exibidas em qualquer data do ano, sem prejudicar
a qualidade ou a temporalidade.
Eis que a oportunidade de
dar a volta por cima chega ao repórter. Ao ser enviado para cobrir uma
exposição ordinária no museu da pequena cidade, ele é surpreendido por um golpe
de sorte: testemunha o desespero de um ex-guarda do local, que clama pelo
emprego de volta, levando consigo um rifle, munição e explosivos. Ele acaba fazendo
de refém as crianças que visitavam o museu, bem como a professora e a
ex-patroa, a curadora. A situação sai do controle quando ele, que não queria
prejudicar ou machucar ninguém, acerta – acidentalmente – o colega guarda, que
estava do lado de fora. Do lado de dentro, o repórter consegue contatar a
emissora, que fica a par da situação. Experiente, frio e estrategista, consegue
fazer da matéria um espetáculo midiático a ser usado para voltar ao topo.
Espetáculo a que preço? O
jornalista manipula de todas as formas a situação, a opinião pública e o
ex-funcionário do museu – que não passa de um homem simples que perdeu a cabeça
após ficar sem o emprego e o ganha-pão – para que a notícia se torne um show de
entretenimento. Entrevistas exclusivas, até a tomada de decisões do
sequestrador no cárcere privado são alguns dos pontos que foram manipulados
pelo repórter. O fato, em si, passou despercebido, e a mídia inteira se
instalou na pequena cidade, fazendo o museu, o palco de um reality show.
O povo trocou de lado
diversas vezes durante o desenrolar, o que mostra o quão volátil a opinião
pública poder ser e quão responsáveis por ela o profissional jornalista é.
Apesar de tudo não passar de ficção, qualquer semelhança com a realidade atual é
mera coincidência. Alguém se lembra do Caso Eloá Cristina, em outubro de 2008?
A garota ficou quatro dias sendo mantida em cativeiro pelo sequestrador e
ex-namorado Lindemberg Alves, em Santo André, na Grande São Paulo, que não
aceitava o fim do relacionamento. De cabeça quente, fez o mesmo que o guarda o
filme: agiu sem pensar e usou a força física.
Alguém se lembra de como a
mídia tratou do caso? Da forma mais sensacional possível. A ponto da
apresentadora Sônia Abrão, do programa A Manhã É Sua, da RedeTV!, atrapalhar as
negociações que estavam sendo feitas, conseguir contato e conversar no telefone
com o sequestrador ao vivo e em rede nacional. A ‘jornalista’ ficou ‘papeando’
com o criminoso (sim, afinal, o rapaz estava cometendo um crime) cerca de 30
minutos, ocupando a linha telefônica, prejudicando o trabalho de polícia.
Resultado? Três pontos a mais de audiência: de 2 passou a 5 pontos.
A repercussão foi tanta que,
até dentro da própria mídia, a apresentadora foi duramente criticada. E
acredite: foi por Datena, na época no Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o mais
sensacionalista dos apresentadores. O forte stress da situação e a superexposição
de sua imagem na mídia fizeram com que o sequestrador perdesse a cabeça e
acabasse com a vida de Eloá Cristina.
Após ver os vídeos (todos
disponibilizados no final do post), o filme O Quarto Poder não é a mais simples
reprodução da realidade? Apesar de ser um filme hollywoodiano, não se aplica ao
cotidiano da mídia no Brasil? Sim, se aplica. No final da película, o repórter
diz uma frase de efeito fazendo referência à cena final.
O filme é estrelado pelo
baixinho Dustin Hoffman, como o repórter Max Brackett, e John Travolta como Sam
Baily, protagonista de todo o ‘show’. Para mim, a atuação dos dois foi
exemplar, mas não agradou à mídia massificada. Com orçamento de 50 milhões
dólares, faturou apenas 10, recebendo notas baixas pelo setor especializado. Quem
não ligar para essas análises, poderá assistir ao filme de forma mais crítica a
partir de agora. Quem se habilita? Eu recomendo.
Saiba mais sobre caso:
Trailer do filme - O Quarto Poder (Mad City, 1997)
'Entrevista' de Sônia Abrão com Lindemberg Alves
Datena criticando Sônia Abrão e a mídia
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