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domingo, 25 de março de 2012

Cinema e mídia: a cruel realidade sensacionalista


Para variar um pouco, alguns fracassos de bilheteria são os meus filmes prediletos. O mesmo não poderia ser diferente com o filme ‘O Quarto Poder’. Foi por acaso que assisti a esse filme: o professor de Temas Contemporâneos do Jornalismo – curso jornalismo, portanto – passou à turma como parte do processo de desenvolvimento do senso crítico proposto pela disciplina.

O filme me envolveu do início ao fim. A história, resumida, é mais ou menos assim: um grande repórter norte-americano, após ter tido problemas com a emissora de televisão de rede nacional, em Nova York, é transferido para uma afiliada no interior dos Estados Unidos. Insatisfeito, passa a ser escalado apenas para realizar ‘matérias frias’, ou seja, que podem ser exibidas em qualquer data do ano, sem prejudicar a qualidade ou a temporalidade.

Eis que a oportunidade de dar a volta por cima chega ao repórter. Ao ser enviado para cobrir uma exposição ordinária no museu da pequena cidade, ele é surpreendido por um golpe de sorte: testemunha o desespero de um ex-guarda do local, que clama pelo emprego de volta, levando consigo um rifle, munição e explosivos. Ele acaba fazendo de refém as crianças que visitavam o museu, bem como a professora e a ex-patroa, a curadora. A situação sai do controle quando ele, que não queria prejudicar ou machucar ninguém, acerta – acidentalmente – o colega guarda, que estava do lado de fora. Do lado de dentro, o repórter consegue contatar a emissora, que fica a par da situação. Experiente, frio e estrategista, consegue fazer da matéria um espetáculo midiático a ser usado para voltar ao topo.

Espetáculo a que preço? O jornalista manipula de todas as formas a situação, a opinião pública e o ex-funcionário do museu – que não passa de um homem simples que perdeu a cabeça após ficar sem o emprego e o ganha-pão – para que a notícia se torne um show de entretenimento. Entrevistas exclusivas, até a tomada de decisões do sequestrador no cárcere privado são alguns dos pontos que foram manipulados pelo repórter. O fato, em si, passou despercebido, e a mídia inteira se instalou na pequena cidade, fazendo o museu, o palco de um reality show.

O povo trocou de lado diversas vezes durante o desenrolar, o que mostra o quão volátil a opinião pública poder ser e quão responsáveis por ela o profissional jornalista é. Apesar de tudo não passar de ficção, qualquer semelhança com a realidade atual é mera coincidência. Alguém se lembra do Caso Eloá Cristina, em outubro de 2008? A garota ficou quatro dias sendo mantida em cativeiro pelo sequestrador e ex-namorado Lindemberg Alves, em Santo André, na Grande São Paulo, que não aceitava o fim do relacionamento. De cabeça quente, fez o mesmo que o guarda o filme: agiu sem pensar e usou a força física.

Alguém se lembra de como a mídia tratou do caso? Da forma mais sensacional possível. A ponto da apresentadora Sônia Abrão, do programa A Manhã É Sua, da RedeTV!, atrapalhar as negociações que estavam sendo feitas, conseguir contato e conversar no telefone com o sequestrador ao vivo e em rede nacional. A ‘jornalista’ ficou ‘papeando’ com o criminoso (sim, afinal, o rapaz estava cometendo um crime) cerca de 30 minutos, ocupando a linha telefônica, prejudicando o trabalho de polícia. Resultado? Três pontos a mais de audiência: de 2 passou a 5 pontos.

A repercussão foi tanta que, até dentro da própria mídia, a apresentadora foi duramente criticada. E acredite: foi por Datena, na época no Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o mais sensacionalista dos apresentadores. O forte stress da situação e a superexposição de sua imagem na mídia fizeram com que o sequestrador perdesse a cabeça e acabasse com a vida de Eloá Cristina.

Após ver os vídeos (todos disponibilizados no final do post), o filme O Quarto Poder não é a mais simples reprodução da realidade? Apesar de ser um filme hollywoodiano, não se aplica ao cotidiano da mídia no Brasil? Sim, se aplica. No final da película, o repórter diz uma frase de efeito fazendo referência à cena final.

O filme é estrelado pelo baixinho Dustin Hoffman, como o repórter Max Brackett, e John Travolta como Sam Baily, protagonista de todo o ‘show’. Para mim, a atuação dos dois foi exemplar, mas não agradou à mídia massificada. Com orçamento de 50 milhões dólares, faturou apenas 10, recebendo notas baixas pelo setor especializado. Quem não ligar para essas análises, poderá assistir ao filme de forma mais crítica a partir de agora. Quem se habilita? Eu recomendo.

Saiba mais sobre caso:

Trailer do filme - O Quarto Poder (Mad City, 1997)


'Entrevista' de Sônia Abrão com Lindemberg Alves




Datena criticando Sônia Abrão e a mídia



Por Gabriel Johnson (@80cao)

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